Fonte: JDB
Os pilotos do voo AF 447 não compreenderam a gravidade da situação pela qual a aeronave passava e jamais aplicaram as manobras necessárias para recuperar o controle do Airbus A330. Essa é a conclusão do Escritório de Investigações e Análises (BEA, na sigla em francês), a agência responsável pela investigação do acidente, que provocou a morte de 228 pessoas durante o trajeto de Rio de Janeiro a Paris, em 2009. O relatório final do órgão, publicado nesta quinta-feira, em Paris, relata uma série de erros da tripulação, mas minimiza o fato de que o computador de bordo do aparelho forneceu comandos contraditórios à tripulação.
Depois que a aeronave perdeu as indicações de velocidade - causada pelo congelamento das sondas pitot, situadas na parte externa da aeronave -, o piloto automático foi desligado e o Airbus passou para o modo manual. Neste momento, ao invés de tomar manter a estabilidade, o piloto efetuou o comando incessante de subida do aparelho, levando o alarme de "stall", perda de sustentação do voo, ser acionado. Segundo o BEA, essa atitude degradou a situação e acentuou a perda de sustentação do voo.
Ao atingir a altitude de 38 mil pés, o avião saiu completamente do seu domínio de voo e começou a cair, enquanto a tripulação continuava mantendo a ordem para subir. Os investigadores apontam que, ao contrário, era necessário rebaixar o bico do avião para conseguir retomar o curso do voo - uma "habilidade básica de pilotagem", ressalta o texto. Os investigadores observaram que, se os pilotos não tivessem feito nada, as chances de acidente seriam menores.
"É sempre difícil de fazer suposições, mas é verdade que, em outras situações semelhantes, foi verificado que quando os pilotos simplesmente não fizeram nada, houve uma pequena perda de altitude, mas a aeronave retornou ao seu curso", explicou Sébastien David, chefe do grupo Fatores Humanos, um dos criados pelo escritório para realizar a investigação do acidente.
"Em nenhum momento, os pilotos parecem perceber a gravidade da situação. Eles não entenderam que o avião estava caindo", disse o diretor do BEA, Jean-Paul Troadec.
Ao longo de uma hora, os investigadores expuseram a trajetória de quatro minutos do voo até a queda no oceano Atlântico. Os pilotos mantiveram o tempo todo a ordem para subir, o que, de acordo com os investigadores, jamais resolveria a situação: a atitude correta seria descer levemente, retomar a velocidade correta e reequilibrar o aparelho. Desde que a aeronave começou de fato a cair, "apenas uma equipe muito determinada e consciente de toda a situação poderia, eventualmente, ter recuperado o controle", destacou o diretor das investigações, Alain Bouillard.
Orientação errada
Entretanto, um detalhe importante do relatório não foi mencionado e constava em apenas uma linha no resumo entregue à imprensa, mas foi evocado por um piloto independente que aconselha os familiares das vítimas brasileiras da tragédia, Gérard Arnoux: por no mínimo duas ocasiões, os computadores de bordo do Airbus ordenaram os pilotos a empinar o aparelho - manobra que, reconhecem os especialistas, não era correta.
"Foi dado comando para 'picar' a aeronave, mas essa ação foi desempenhada de uma forma desproporcional pelo piloto, confundindo o sistema", afirmou Troadec. "A máquina reage conforme as ações dos pilotos, e como eles não percebiam a perda de sustentação, não foi possível sair da situação de queda."
Este ponto concentrou as atenções dos jornalistas e familiares presentes na coletiva de imprensa de apresentação do documento, que será considerado pela Justiça francesa na hora de apontar os culpados pela tragédia. Troadec reagiu com irritação à insistência sobre a falha do sistema, e reiterou que, devido ao funcionamento incorreto do avião, o BEA introduziu uma recomendação de melhorar a ergonomia do A330 "para fornecer à tripulação indicações para lhe ajudar a reconhecer e controlar situações não habituais".
No total, 16 recomendações foram feitas, sobretudo em relação ao treinamento dos pilotos, e se somam às 25 já sugeridas em um relatório preliminar.
Familiares decepcionados
"Estou profundamente decepcionado. Para mim, este Airbus deveria estar no mesmo lugar que o Concorde: no museu", afirmou Nelson Marinho, presidente da Associação de Familiares das Vítimas do Voo AF 447. Marinho perdeu um filho no acidente.
Como ele, Robert Soulas perdeu uma filha e estava inconformado com as conclusões finais do BEA. "Há uma insistência em colocar praticamente toda a responsabilidade do acidente nas mãos dos pilotos, quando tudo indica que a máquina estava defeituosa", declarou Soulas.
Na opinião dos familiares, o documento da Justiça francesa, elaborado por uma equipe própria de inspetores judiciais, parece mais equilibrado. Conforme informações já divulgadas, o relatório judicial confirma a falha humana, mas também destaca que o congelamento das sondas de velocidade, acompanhadas por alarmes e da degradação dos sistemas associados a eles contribuíram para que a tripulação não conseguisse tomar as atitudes corretas para evitar a queda.
O acidente do AF 447
O voo AF 447 da Air France saiu do Rio de Janeiro com 228 pessoas a bordo no dia 31 de maio de 2009, às 19h (horário de Brasília), e deveria chegar ao aeroporto Roissy - Charles de Gaulle de Paris no dia 1º às 11h10 locais (6h10 de Brasília). Às 22h33 (horário de Brasília) o voo fez o último contato via rádio. A Air France informou que o Airbus entrou em uma zona de tempestade às 2h GMT (23h de Brasília) e enviou uma mensagem automática de falha no circuito elétrico às 2h14 GMT (23h14 de Brasília). Depois disso, não houve mais qualquer tipo de contato e o avião desapareceu em meio ao oceano.
Os primeiros fragmentos dos destroços foram encontrados cerca de uma semana depois pelas equipes de busca do País. Naquela ocasião, foram resgatados apenas 50 corpos, sendo 20 deles de brasileiros. As caixas-pretas da aeronave só foram achadas em maio de 2011, em uma nova fase de buscas coordenada pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA) da França, que localizou a 3,9 mil m no fundo do mar a maior parte da fuselagem do Airbus e corpos de passageiros em quantidade não informada.
Após o acidente, dados preliminares das investigações indicaram um congelamento das sondas Pitot, responsáveis pela medição da velocidade da aeronave, como principal hipótese para a causa do acidente. No final de maio de 2011, um relatório do BEA confirmou que os pilotos tiveram de lidar com indicações de velocidades incoerentes no painel da aeronave. Especialistas acreditam que a pane pode ter sido mal interpretada pelo sistema do Airbus e pela tripulação. O avião despencou a uma velocidade de 200 km/h, em uma queda que durou três minutos e meio. Em julho de 2009, a fabricante anunciou que recomendou às companhias aéreas que trocassem pelo menos dois dos três sensores - até então feitos pela francesa Thales - por equipamentos fabricados pela americana Goodrich. Na época da troca, a Thales não quis se manifestar.
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